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O peso da norma social: pesquisas apontam punição simbólica a homens e meninos que rompem expectativas de gênero

publicado: 09/05/2025 18h27, última modificação: 09/05/2025 18h27
Professora da UFPB, Ana Raquel Torres tem dedicado sua carreira a investigar preconceitos sob a ótica da psicologia social

O peso da norma social: pesquisas apontam punição simbólica a homens e meninos que rompem expectativas de gênero

Imagine a seguinte situação: Carlos, um jovem pai casado de trinta anos, está acompanhando seu filho de cinco anos em uma loja de brinquedos no shopping. Em dado momento, a criança, que estava brincando pela loja, escolhe finalmente o brinquedo: uma boneca. O pai decide comprar. Qual seria sua avaliação sobre isso? Essa indagação é o mote de uma das várias pesquisas que vêm sendo feitas há décadas pela docente do departamento de Psicologia do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ana Raquel Torres. O que elas têm em comum é a investigação da manifestação de diversos tipos de preconceito na sociedade brasileira. 

Neste estudo, feito em parceria com o pesquisador Heitor Marinho da Silva Araújo, foram entrevistados 303 estudantes universitários, com idades entre 18 e 54 anos, que foram apresentados a quatro cenários hipotéticos. Ou seja, a criança podia ser menino ou menina e pedir ao pai um carro ou uma boneca. Depois, eles foram questionados sobre sua percepção em cada cenário.  Como a pesquisa aponta, os cenários mais negativamente percebidos foram aqueles em que as meninas optavam pelo carro e, principalmente, em que os meninos escolhiam as bonecas. Quando as meninas escolhiam as bonecas e os meninos, os carros, não foi percebida uma situação de ameaça pelos entrevistados.  

“Isso sugere que a heteronormatividade e o sexismo desempenharam um papel fundamental em normalizar essas situações, refletindo a estrutura social contemporânea baseada nos papeis de gênero binários ainda forte mesmo em camadas com acesso a altos graus de educação”, concluem os pesquisadores. 

Esse tipo de problemática, relacionada aos estereótipos de gênero e suas implicações na perpetuação de estigmas sociais, tem movido a carreira de Torres há décadas. Pessoense, ela tem graduação pela Unipê e mestrado em Psicologia pela UFPB e concluiu seu doutorado na University of Kent at Canterbury, no Reino Unido, em 1996. De volta ao Brasil, lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Goiás até 2009, quando voltou a sua terra natal para lecionar na UFPB. Ela faz parte de uma rede de pesquisadores que têm se debruçado sobre a manifestação preconceitos em sua dimensão psicossocial, muitos dos quais ela ajudou a formar na pós-graduação. Neste ano, sua trajetória foi reconhecida com a obtenção de R$11.590.232 junto a um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a implementação do Observatório Nacional dos Preconceitos, coordenado por ela. 

Sua área de expertise sempre lhe interessou por articular fenômenos psicológicos e sociológicos. “A Psicologia Social trata de uma articulação entre o nosso funcionamento psicológico e a estrutura social na qual estamos inseridos. O pressuposto é que essa estrutura social é formada por grupos, não por indivíduos, e por grupos que estão em relações econômicas, políticas e históricas”, explica. “E fenômenos como preconceito e discriminação são construídos justamente nessas relações, ou seja, não são processos ou fenômenos meramente psicológicos e individuais”.  

Outro estudo desenvolvido por Ana Raquel Torres sobre estereótipos sociais de gênero, dessa vez em conjunto com Hyalle Abreu Viana e José Luis Álvaro Estramiana, analisou, a partir de entrevistas com pouco mais de 200 universitários, as percepções sociais sobre “homens igualitários”, isto é, homens que defendem a igualdade de gênero em relação às responsabilidades domésticas e familiares, assim como à inserção no mercado de trabalho. 

A pesquisa concluiu que homens com esses valores tendem a ser considerados como “femininos” e pouco competentes, o que os leva a se tornar alvo de desconfiança por parte de outros homens e a sofrer preconceitos. O resultado disso, muitas vezes, os pesquisadores apontam, é o afastamento ou a falta de interesse dos homens em participar da luta por maior igualdade entre os gêneros. 

Associações como essa, baseadas em estereótipos e preconceitos, mostram a influência do contexto social (nesse caso, uma norma social bastante antiga que atribui formas “corretas” de se comportar para homens e mulheres) sobre os processos cognitivos. “A percepção sobre algo não é só um fenômeno neural, digamos assim. Mas depende de um contexto. Por isso que a gente fala que é sociocognitivo. Eu penso diferente de você não só por termos biologias diferentes, mas porque as nossas inserções sociais são diferentes”.  

Para Torres, a melhor maneira de lidar com o enfrentamento dessa questão está em uma educação que busque desconstruir esses estereótipos ligados ao papel pré-definido que cada gênero deveria desempenhar na sociedade. Nesse sentido, os estudos desenvolvidos pelo Observatório Nacional dos Preconceitos, que começa a ser implementado este ano, servirão também para fundamentar políticas públicas para a confrontação desses preconceitos.

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Texto: Hugo Bispo
Foto: Angélica Gouveia
Ascom/UFPB